segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Faxinais em risco de extinção


Em algumas regiões do sul do país, especialmente no Paraná, ainda é possível encontrá-los, cerca de 40 ainda resistiram ao tempo. A paisagem é bastante peculiar – ainda que aparentemente comum: rebanhos de bois, porcos, galinhas, cavalos e outros animais à solta, espalhados por campos montanhosos e florestas de araucária, e dezenas, às vezes centenas, de casas em meio à vegetação, sem qualquer cerca divisória entre elas. Os moradores consentem que o pasto e a mata são de uso de todos os animais e entendem que o quintal do vizinho também é seu, e vice-versa. Em torno da área compartilhada, cada família dispõe de um pedaço de terra particular, onde cultiva milho, feijão e outras culturas para consumo próprio ou para comercialização na região. De maneira geral, a renda da comunidade vem da venda da carne e de derivados, da extração de erva-mate e dos excedentes agrícolas.

Os faxinais são um sistema alternativo de produção, em que os moradores têm a posse de seus bens, dos animais e das plantações. Mas a terra não é de ninguém: é coletiva. Há cerca de 10 anos, quando foi aprovado o decreto estadual 3.446/97, reconhecendo a existência dos faxinais, o Paraná tinha 152 comunidades. Hoje esse número caiu para menos de um terço. A maioria está na região Centro-Sul do Paraná. Prudentópolis concentra pelo menos metade do total de faxinais do estado, embora apenas oito estejam cadastrados no Instituto Ambiental do Paraná (IAP) e, por conta disso, recebam recursos do ICMS Ecológico.

O faxinal de Barra Bonita é um deles. Com cerca de 200 famílias – a maioria de descendência ucraniana – a comunidade ganhou mais estrutura ao longo dos anos, mas perdeu parte de suas características originais. O local tem escola com ensino fundamental e médio, posto dos Correios e telefone fixo em algumas residências. A luz elétrica chegou há aproximadamente 25 anos. Os animais ainda são criados soltos, mas o sistema produtivo deixou de ser coletivo e passou a ser individual. O presidente da Associação de Agricultores, Afonso Miguel Cassiano, afirma que os moradores cultivam feijão, soja e milho nos arredores.

Mudança

“Como vai estar daqui a 10 anos? Ah, não sei”, responde Cassiano sobre o futuro do faxinal. Ele considera que a perda das características originais é natural. Os moradores tradicionais morrem e deixam a terra para os filhos, que a dividem em lotes menores. Alguns são vendidos para quem desconhece a cultura. Outros faxinalenses preferem deixar os locais de origem. É o caso de Rafael Bodnar, que vive no faxinal Paraná Anta Gorda, em Prudentópolis. Ele se queixa da distância do vilarejo dos serviços básicos de saúde e da igreja católica que preserva o rito ucraniano. “Eu queria me mudar para a cidade, mas ainda dependo da decisão da minha esposa e dos meus filhos”. Dos quatro filhos do casal, três estão em Curitiba e uma vive na área central de Prudentópolis; ou seja, não seguiram os passos do pai. Ele ainda planta feijão próximo à comunidade, mas desistiu dos animais. “Só tenho um porquinho que estou criando para uma ocasião especial”, comenta.

Outros pequenos produtores, como José Salack, não moram no faxinal, mas dependem do local. Ele tem um lote no faxinal que lhe dá segurança para deixar seus cavalos pastando na área. Com um cigarro de palha na boca, ele leva os animais no início da tarde e vai buscá-los ao final do dia. “No meu terreno, que tenho fora do faxinal, não tenho espaço para os cavalos pastarem”, afirma Salack, que tem cinco vacas que ainda são ordenhadas manualmente.

Modelo existe há 300 anos

O pesquisador e geógrafo Luís Almeida Tavares ouviu falar dos faxinais pela primeira vez graças a um colega do IBGE de origem ucraniana. Como convidado, foi até Prudentópolis ver do que se tratava.

Já em sua primeira visita, foi tomado por um misto de curiosidade e admiração pelo modo cultural, social e econômico do uso da terra. A inquietação transformou-se em quatro anos de trabalho, nos quais várias visitas a campo foram feitas nos faxinais de Prudentpólis, Antôno Olinto, Mandirituba e Quitandinha. No fim do ano passado, o pesquisador apresentou a tese de doutorado na USP com o tema “Campesinato e os faxinais do Paraná: as terras de uso comum”.

Fonte: Gazeta do Povo e Revista Globo Rural